Vai para 15 dias que comecei a sentir aquela dor estúpida no joelho, tric-tric-tric, um estalinho na articulação de cada vez que me levantava, sentava, subía escadas. Sinal de chuva, mas vê-la nada. Era bom que nessa altura tivesse mesmo caído umas boas bátegas de água, ía-se o incómodo da dor e acabava este trabalho de que fui encarregue.
Foi mais ou menos por essa altura.
Lembro-me que recebi instruções e quando me levantei para saír do gabinete do chefe, o joelho deu-me uma guinada. Tentei ignorar, mas o corpo não é de fiar, aliás é a coisa menos verdadeira que existe: Num dia estamos bem, no outro estamos a fazer tijolo.
E o serviço que me entregaram era exactamente igual à dor do joelho: sem matar, moía que se fartava.
Durante 3 dias encostei a missão e fiz de conta que não era comigo. Depois, começou a preocupar-me e por fim tirou-me o sono. Imaginei uma série de soluções para entregar como justificação para não fazer o que me havíam pedido, detestava aquele tipo de serviço e parecía que quanto menos eu gostava mais atraía.
Entretanto, o joelho, a dor e chuva nem prenúncio.
Ontem, sobressaltei-me e consciencializei que não há nada a fazer a não ser cumprir com o que me ordenaram. E que este joelho velhaco ou a chuva mentirosa não vão alterar nada: É uma artrose.
Estou onde estou sempre no final do dia. A cada golada do gin tónico, passo revista aos momentos altos das últimas 24 h. Mas não encontro nenhum momento grandioso, entreguei o que esperavam de mim, que foi recebido sem nenhum comentário, quer agradável quer depreciativo e o sacana do joelho resolveu dar tréguas e agora nem o sinto.
Há dias assim. Em que nos entregamos a missões semelhantes às de um mártir e ninguém à nossa volta consegue entender quão hercúleo foi o nosso esforço. Quase se deixa de existir, tão leve é a nossa presença neste mundo.
Acho que hoje devería permitir-me tomar um segundo gin, mereço-o. Mas devo ter apanhado o hábito da condenação tão rápido quanto o senti nestes últimos dias, por isso pago e não bebo mais nada.
Até amanhã.
Que merda de vida, está a chover e eu sem guarda-chuva...