Sentado ao balcão e debruçado sobre o meu copo, consigo ver o fundo do meu passado e regressar à minha infância.
Por vezes, escuto aqui ao meu lado, relatos de homens feitos, de lágrimas nos olhos a contarem sobre o que foram quando eram crianças e o que aspiravam a ser quando adultos. É de partir o coração. Fazem-no como se falassem de uma terceira pessoa, alguém que conheceram e que viajou e nunca mais encontraram, sentindo uma saudade imensa que lhes amargura o coração, uma dor tão forte que se alastra até mim e se instala numa tristeza que trago para casa.
Não me lembro de mim desta forma.
Aliás, não me lembro de mim a ter vontades de coisa alguma, ou sonhos de ser grandioso ou importante. Eu era lá, na minha infância, apenas um miúdo traquinas, muito endiabrado e muito feliz, muito ocupado a jogar à bola, a juntar colecções e a andar de skate, mas nada pensativo ou atirado com o que o futuro me podería ter em sorte ou os desejos que eu tinha para mim.
Era feliz no dia a dia, ou infeliz quando contrariado ou castigado por me comportar indevidamente e apenas isso.
Será que devería ter desejado mais ou faltou-me ambição e agora, ausente dessa tristeza, sofro pela dos outros?
Não sei.
Hoje permito-me outro gin, sinto-me infeliz porque os outros não souberam da simplicidade de se deixarem crescer. Só isso, sem complicações.
Até amanhã.
Chove.
Se calhar são as infâncias viajadas que choram porque se perderam.